Decora
Energia que não se aproveita,
Pão que caiu no chão,
Tempestade antes da colheita.
Carinho onde há pensamento,
Tormentosa ideia sem fim,
Cimento que não dá sustento,
Inacabada obra de mim.
Queria um desfecho
Que embelezasse por dentro
Arrematando o acabamento.
Mas, externo à mente,
Tudo que está por fora
Contradiz o que decora.
Notidivagações
Se, embebido em palavras,
Demoro para me deitar.
Destilada bebida lavra
As profundezas d'alma,
Faz pelo corpo um furor.
Que, sabido da ignorância,
Quero não mais dormir,
Preciso demais descobrir.
Mãe Terra
Diga-me de onde surgiu esse povo
Teria vindo do ovo ou do escarro
De um Deus ocioso...
Dessa gente que se multiplica
Erguendo templos pela vida
A trajetória é só ida ou cíclica
Dor indivisa?
Responda-me, mãe Terra,
Como fluiremos nós?
Freáticos lençóis ou da serra
A correnteza.
Densa poeira
E me tira o que é abstrato.
Muro coberto de concertina
Pra manter fora o pilantra,
Dentro da ratoeira, o rato.
Falta dor para morfina,
Insensibilidade espanta
A emoção do contato.
Aqui, atrás das cortinas,
Quero as folhas da planta,
Mas só resta o vaso.
Noutro tempo, purpurina
Foi de alegria a manta
A amante do tato.
Quando a luz da retina
Nas ladeiras de Santa
Era o suor do desacato.
Carnaval em abril
Tiradentes já passou
Ontem foi feriado
Chama que se apagou
Amanhã será luzente
O presente, caprichado
Tem um brilho diferente
Transcende o que sou
Ou o que tenha alcançado
Entre o herói e o santo
A forca e a espada
Há o nascimento
Da estrela alumiada
Cuja visão eu canto
Pelo amor me alento
Ao custurar seu manto
Que torna mais desejada
Quem não é mero momento
Sua paixão pudera
veio a seu encontro
Como ninguem já viu
O mundo ficou tonto
Tudo parou na Terra
Deixou saudades mil
Tristeza não prospera
Então, desse confronto
Fez-se Carnaval em abril
Vinte e oito
Já tinha sobrevivido deveras
E realizado tantos planos
Quantos que não pudera
Senti-me aprendendo a andar
e a não mais querer correr
Pois nenhum passo meu
Pode retardar o anoitecer
a vida, inevitável e improvável
é luz que a escuridão desvenda
nada pode fazer que ela cesse
muito menos que se extenda
Incrível é a eterna novidade
Das coisas que se repetem
mundo gira ao redor do sol
indiferente ao que acontece
Salutar
Esbalda-se quando é carnaval
Lavada de glitter e toda prosa
Inventa cada fantasia original
Zelosa demais em tudo que faz
Acredita no aluno a que ensina
Na certeza dele ser capaz
Instiga a mente que ilumina
Vivi para conhecer este ser
E pergunto como é que pode
Regalar-se tanto ao receber
Sol e praia, cerveja e pagode
Agora a lição que me toma
Regressar ao banco escolar
Instruído por um novo idioma
O do amor de fato salutar
A menina
Em dias nublados, como não se faz mais
Conservou a poesia pela qual me apaixonei
Dentre tantos caminhos para infelicidade
Apontou como um regato entre as pedras
Riacho consistente de categórica vontade
Desaguou em mim onde ninguém pudera
Precisa
A condição para eterna felicidade
Basilar sentimento que harmoniza
Ying-yang e a grande polaridade.
Loucura seria o contrário supor?
Legá-lo à condição de possiblidade:
A escolha labutável que se enfatiza
Diariamente e com sobriedade.
E qual o verdadeiro sabor?
Confeito que ao paladar agrade,
Açúcar ou pedra que cisa,
Salgando, a terra que invade.
Tal explanação é sem valor
Retrocede a minha ingenuidade
Ocultada por sua prece precisa
Clareando-me a realidade.
O que peço em meu louvor?
Saborear nossa lealdade
'Té conhecer quem por “bisa"
a ti chamará antes da saudade.
Afã
Guarda cada dia com carinho
As longas horas de felicidade
Pois embora agora seja saudade
Haverá outro amor no caminho
Um momento de súbita ira
Fez desatar de vez nosso nó
Na agonia e afã de estar só
Rompeu o laço que, sã, unira
Se não dá para ser o que se quis
Nem continuar sendo o que se é
A ilusão desembarca e vai a pé
Em busca de um final mais feliz
Calote
De ser o anti-abajour
Onde todo mundo é demais
Mas o espaço é de menos
O mais elevado satisfaz
Quem domina o terreno
Onde todo mundo é assaz
E cada olhar é mais sexy
Popstar com pose de rapaz
Sentado em cima de jet ski
Quem não é todo mundo
Sem charme ou camarote
Peixe de mar mais fundo
De ostentação dá calote
Vela
Descartável
Caçada
e também veloz em disparada
Salivando a presa desejada
Espreitei a excitação que corria
Julguei-me o mais hábil que havia,
O indivíduo de virtude comprovada,
Então decidi que iria fixar morada
E esperando a caça me alcançaria
Claudiquei na missão planejada
Inocente, ao entregar a espada,
Tornei cega a lâmina que cingia.
Comprometi o sucesso da caçada
A excitação outrora provocada
O desejo perseguir não sabia.
Ulterior
Sacrificando o tempo da mocidade
Mas conforme ganha-se mais idade
Encrudesce o corpo, a pureza adoece
Reconheço que não estive desperto
Ao que meu espírito foi covarde
Lançou-se a sorte por onde arde
Desejo que queima no deserto
A experiência, a vida esclarece
É, portanto, dos erros a benesse
Revestindo-nos de maturidade
Ulterior ao amor é a verdade
Bastante clara numa prece
Insana pedindo que regresse
Desacredito
Não parece que fui onde pisei
Que andei tão livre em delito
E nesse quesito me apaixonei.
Acerca da sorte com que deparei
E a lei me foi boa, pois nunca aflito
Como num rito, o melhor esperei.
Nessas memórias não há conflito
Só o êxtase das noites que virei
E beijei tantos lábios bem ditos
Uns eruditos, outros não sei.
Talvez aqui eu não estarei
O rei é quem manda ser finito
O espaço aflito entre o era e o hei.
Chave
Hipnotizante a me fazer levitar
Amparado pela loucura que beiro
Vontade estranha de querer casar.
Entretanto, muita cautela se mostra
Devido a tantas diferenças sem porquê.
O espanto e atração de figuras opostas
Condensados na expectativa de te ver.
Responderá até quando permanece
A surpresa de se sentir adolescente.
Ao sentir tal aroma me disse
“Our time’s over, it’s Key!”
Invitados
Talha-a independente de credo ou raça,
E o passar dos anos a beleza embaça
Há pessoas por quem o tempo passa
Longeva saberia não se esvai com o vento
Usufrui a perenidade de um ressentimento
Perdura e se mistura para servir de alento
Mansas pessoas que passam pelo tempo
A intrigante questão começa agora
Assume você o controle da hora
E não é o relógio que te devora?
Resistindo o fruto da nossa verdade
Invitados a um lugar na eternidade
Viraremos uma lúgrube saudade.
Notívago
Uma utopia também sem igual
Libera energia maior que a do lítio
Hipnotiza lançando olhar fatal
Equilibra-se entre a farra e o trabalho
Repondo noites sempre mal dormidas
Mescla corrida, cerveja e orvalho
Alheia agonia afaga em sua lida
Relembra rindo das dificuldades
As oportunidades a vida lhe deu
Vivendo livre de mágoa ou saudade
Imperativo instinto manhoso
Deixa notívago o peito deste poeta
À espera de outro beijo tão gostoso
Candelabro
Incrivelmente maior e melhor
Lua que chega cerca ao mar
Útil ao espaço onde é poesia.
Sabia porém ser só fantasia
Aquilo a além de mim se projetar
Oscilando formas diversas das minhas
Desdobradas pelos momentos de alegria.
Esplandece o ser mas não o vê
O lume que mira o breu sem porquê
Tal a gravidade, a curiosidade o tomba.
Irresistível como todo clichê
Candelabro sagrado era você
A luz no objeto; eu, sombra.