Se os cães latem

Se nos vizinhos os cães latem
Querendo ser nossa consciência
Esquecem das suas crenças
Julgando nossa aparência

Se na tv os cães latem
Querendo ser nossa inteligência
Esquecem dos nossos neurônios
Julgando ter onipotência

Se no Congresso os cães latem
Querendo nossa paciência
Esquecem de seus deveres
Aumentando sua opulência

Se em versos os cães latem
Querendo mais insolência
Esquecem do esquecimento
Da democracia a ausência

Se no povo os cães calam
Querendo apenas clemência
Esquecem do seu poder
Morrendo sem resistência

Brasileira terra minha

Brasileira terra minha tão cheia de fantasias
faz-se templo de mentiras em nua urgia
Tranquilo quando vota fica escancarado
na bonança do Zé Qualquer, do ninguém
que opaco é o conhecimento dos sei lá quem
O eleitorado desatento se atinge sem
dados questionamentos que d’alma vem
e em prados é gado inconsciente e zen
Alienado, em mitos, diz sempre amém
Animado ao engolir o que não convém
Circundado por poças e desdém
Endividado é feliz sem nenhum vintém

Apostas e desastres

Olhos de caça-niqueis na face
Vêem mais do que posso ganhar
Minhas apostas clamam pelo desastre
E são atraentes como um romance ímpar
Olhos embaralhados se confundem
Me iludem no desejo de enxergar
A dama de ouro na mesa
Em mais um jogo de azar

Olhos de criança esperançosa
Anseiam pelo ganho imediato
Detestam a espera e a tristeza
Avareza de um vício barato

Olhos galopantes sobre cavalos
Sofrem quedas desconcertantes
Estrábicos, pobres vassalos
Sacrificam meu ser repugnante

Olhos crédulos no grande lucro
Tementes aos Deuses e às roletas
Num triz cavam o próprio sepulcro
Entregam-me às dividas e aos capetas

Mente do amante

No fundos das alegrias resplandece a ternura
Em águas alvas do lago das minhas juras
Transparece a todo ensejo o que me cura:
As lembranças num bordejo de aventuras

A cabo das agonias se estabelece a tua doçura
Apazigua os sentimentos que com bravura
Devoravam o bom senso numa conjuntura
Dum estado quase intransponível de loucura

No cume das fantasias padece a tua censura
Só restando o desejo imortal na sala escura
Que abriga um casal em plena descompostura

Porque mereces o amor sem brandura
Que em sua excitação a certa altura
Incendeia a mente amante da cultura