Artista

Conversar é algo bastante comum
Que fazemos quase a todo momento 
Por isso ignoramos o quão complexo
É o processo para o entendimento. 

Dialogar é travar uma guerra de atenções 
E conseguir harmonizar tantas urgências: 
O impulso que o pensamento impõe à fala, 
O interlocutor que não utiliza reticências. 

Calar o pensamento, para comungar 
com o que se escuta, é importante 
Quando se busca a compreensão 
do que está a nos dizer o falante. 

A preguiça de ouvir atentamente 
Impede mais profunda interação 
E surdos uns e outros esperam 
Sua vez no monólogo sermão. 

Advertirá a mim o leitor mais crítico: 
“Quem não gosta de ser protagonista?” 
Digo que mesmo no palco o falador, 
É o bom ouvinte do show o artista.

Eusébio Ferreira

Ferreira, dono de um cavalo marrom
Em francês, em português: castanho.
Enfim, Ferreira tinha medo de que
Eusébio seguisse caminho estranho.
Ou seja, um que ele não conhecesse
Medo de que o bicho saísse da linha
Então, antes que isso acontecesse
Privou-lhe de ver o que vinha,
Colocando tapa nos seus olhos.
Anteolhos eram uma boa forma
Dele não se assustar, mas cego
Precisa ele de algo que lhe informa
o caminho por onde deve andar.
Para isso havia simples solução
Comprou cabrestos para contê-lo.
Agora, o destino estava em sua mão.
Mas Eusébio, malgrado ser curioso,
Limitava-se só à observação e a crítica
Portanto, com isso ficara pouco ditoso
Desgostoso da perda da visão holística.
Mesmo sem luz no fim do túnel, seguia
Os passos coordenados por Ferreira,
Que inexperiente no manejo do cabresto,
Jogava ambos em buraco e ribanceira
Até o triste dia em que o dono distraído
Fez o equino topar numa pedra rasteira
Quebrada sua perna, o mais dolorido
Foi ter que sacrificar Eusébio Ferreira.



Vizinhando

O momento mais romântico do shopping:
Emergem àquele andar todo tipo de gente,
Sobre os degraus que sobem e descem,
Flutuando no lombo do limbo transparente.

É viciante observar a movimentação:
A escada cospe pessoas de par em par
Muito difícil saber onde as deglutiu
E impossível, onde querem chegar.

Nas pernas em que se balançam
Mulheres são as mais impacientes
Pensam em suas listas de tarefas
Nas duras jornadas pós expediente.

Uns trazem sacolas, outros mochilas,
De certo mais leves que os pensamentos
Surgidos quando só é possível pensar
Pois a ação ali aguardará um momento.

O fim precípuo de um shopping center:
Comprar; ou melhor, vender, é bem inviavel
E até andar é difícil diante de tanta gente
Resta aos casais beijar, o gesto inevitável.

Vizinhando a saída desse formigueiro humano,
Um bar cujo nome é o gerúndio de vizinhar
Nele, ponho-me a tentar adivinhar o que passa
Nas mentes dos que ascendem a este patamar.