Tamborém

Feche os olhos e veja
Seu coração é um tambor
O surdo de marcação da bateria da vida
Incansável como quem o sustenta na avenida
Seu ritmo dita a sensação de todas as horas
Até que, um dia, chega ao fim nossa estória 
Será que dança conforme a música?
Ou seria ela a súdita de sua grave sinfonia?
É aterrorizante pensar que ele nunca para,
Pois, como o tempo, seu valor não se repara
Nem se compara a quando o coração vai além,
Pois é o tambor, mas só quer ser um também.

Ao arauto

Quero um poema de agradecimento
Poder cantar alto os versos
Ser arauto como um camelô
Desfrutar de cada sílaba 
Fazer amor com as proparoxítonas,
Tão coerentemente acentuadas,
Quero perder o fôlego 
Ver pirâmides nas páginas 
Orgulhar o pastor que me guarda
Das minhas alucinações 
Os pensamentos mais oblíquos 
Quisera interditar a linguagem, mas
Quem sou eu?
Fui aluno, ser sem luz 
Iluminaram-me
Minaram em mim a ilusão 
Implodidas as certezas
Restaram ideias tortas
Obrigado, Motta
Seja, meu irmão.

Halter

Levanto pesos na academia
E, em que pese a consciência,
Cada halter altera o humor.
O suor que resta do porre
Escorre transparente no rosto,
Tem de lágrimas gosto,
Mas absorto, outro sabor.

Ao redor, redondas formas
Esculpidas pelas máquinas 
Que querem tesas, as flácidas,
E talvez, estúpidas, as sábias.
Mas com tesão, nenhum pudor.
Afinal, o corpo vivo
É mais que objeto altivo
Contemplado através do vidro.

Decora

Sou um esforço em vão,
Energia que não se aproveita,
Pão que caiu no chão,
Tempestade antes da colheita.

Carinho onde há pensamento,
Tormentosa ideia sem fim,
Cimento que não dá sustento,
Inacabada obra de mim.

Queria um desfecho
Que embelezasse por dentro
Arrematando o acabamento.

Mas, externo à mente,
Tudo que está por fora
Contradiz o que decora.

Notidivagações

Perdoe, meu amor,
Se, embebido em palavras,
Demoro para me deitar.
Destilada bebida lavra
As profundezas d'alma,
Faz pelo corpo um furor.
Que, sabido da ignorância,
Quero não mais dormir,
Preciso demais descobrir.

Mãe Terra

Mãe Terra, veio o homem do barro?
Diga-me de onde surgiu esse povo
Teria vindo do ovo ou do escarro
De um Deus ocioso...

Dessa gente que se multiplica
Erguendo templos pela vida
A trajetória é só ida ou cíclica 
Dor indivisa?

Responda-me, mãe Terra,
Como fluiremos nós?
Freáticos lençóis ou da serra
A correnteza. 

Densa poeira

Densa poeira de motor e buzina
Que arranha minha garganta
E me tira o que é abstrato.
Muro coberto de concertina
Pra manter fora o pilantra,
Dentro da ratoeira, o rato.
Falta dor para morfina,
Insensibilidade espanta
A emoção do contato.
Aqui, atrás das cortinas,
Quero as folhas da planta,
Mas só resta o vaso.
Noutro tempo, purpurina
Foi de alegria a manta
A amante do tato.
Quando a luz da retina
Nas ladeiras de Santa
Era o suor do desacato.