Flor do linho

Faço de minha palavra o rio que corta o caminho 
A mata que se fecha fazendo a trilha incontínua Sem deixar de moldá-la à beleza da flor do linho Permitindo à memória uma elegância divina 
Pois minha palavra crava as lembranças da sina Que o amor me impõe nos pormenores da vida Dando a mim uma palavra que a ela se destina 
E permanece infinda mesmo depois de nossa ida

Eu sorri

Eu sorri a ponto de cativar a felicidade
Que ansiosa me esperou para ser feliz
Fiz assim de um sorriso do amor a chave
Sendo amigo trouxe alguém que me quis

Eu olhei sedento para os olhos da vida
E vi meus olhos a encarar um futuro
Que de tão belo, tão cheio de vida
Exigiu de mim o presente mais duro

eu via

No meu sonho, eu faço uma poesia
que depois de pronta não é minha
Porque se perde para o mundo
seu novo dono
Mas não, não a abandono
Nem mesmo por um segundo
Porque ainda que esteja na linha
Haverá sempre em mim sua melodia
que não saía
de imediato, demorava e retinha
os versos para extrair o mais profundo
e a demora cruzava noites; como o outono
que no entorno
desfolha as árvores, eu respirava fundo
para só dizer o que do coração vinha
No meu sonho, sem os óculos eu via
a poesia

elíptica (aos professores)

O bom professor não precisa gerar
desejo de se ter amizade no aluno
Basta lhe dar o que nenhum gatuno
armado de ignorância poderá roubar

O que há de mais belo em sua missão
é o poder de subverter preferências
com o pincel que pinta o futuro à mão

E quando a admiração existir calada,
elíptica no brilho do olhar de aprendiz
correto será este verso que apenas diz:
o mundo sem o amor ao saber é nada

Irritantemente

Alguém irritantemente calmo 
Poucas coisas me tiram do sério 
Só aquilo que eu gosto demais 
O que para ninguém é mistério 

 Evito a surpresa e aviso de antemão 
Que tenho um gosto de velho, ancião 
Que sou teimoso na minha convicção 
E da personalidade não abro mão  

Crédulo no poder das pessoas 
E cético no todo poderoso 
Não pelo Ferreira Gullar 
Nem pelo Caetano Veloso 

Dizem que em mim é forte a ironia 
Irônico é dela não dispor a poesia 
A qual me atrevo a fazer livremente 
Para qual não tenho talento inerente

Dias dos Namorados

Seguir-te para além das datas 
E dos presentes não dados 
Por caminhos, do mundo, isolados 
Leva o supérfluo ao desmantelo 
Leva à alegria por teu amor sê-lo 
Já que não posso embalar o presente 
Incabível em caixas e em versos 
Apenas agradeço à graça do universo 
À amada por motivos diversos

Teu ódio, meu Amor

Fruto da raiva da saudade tua 
Oposto ao Amor como sol à lua 
E luar não há se sol não houver 
Amar-me só irá se ódio tiver 

O sentimento contrário só vem 
Se contrariada fores, meu bem 
E teu sangue subindo à cabeça 
E a lágrima antes que adormeça 

São fortes e eu não ouso duvidar 
Da importância nem do teu amar 
Desmedido ao sentir taquicardia 
E em pensar que o real é fantasia

Coração do Brasil

São tantos Rios a serem descritos 
Que me aflige ficar preso ao mais belo 
Se é duelo o que vejo onde vivo 
Se perdido sonho a paz que não selo 

Esta Cidade Maravilhosa para poucos 
Desde cedo, fez-se assim: exclusiva 
Dividindo um Subúrbio de muitos 
Entre esgoto, favela e avenida 

Aqui, com certeza, o turista é feliz 
Vindo do frio sente o calor humano 
Com a praia ensolarada e a meretriz 
Goza de prazer com o que ufanamos 

 Um lugar que canta todos os ritmos 
Conhecido como coração do Brasil 
Também ganha fama por seus perigos 
Lidos no jornal, o cartão-postal vil

Em teus olhos

Em teus olhos, a rosa dos ventos 
Desabrochou uma luz do ocidente 
Brilhando com fogo de dentro 
Que queimava incessantemente
Em teus olhos, a rosa dos ventos 
Te enfeitou como raro pingente 
Fascinando com garbo sem intento 
Quem se deparava contigo de frente 
Em teus olhos, a rosa dos ventos 
Desorientou diversas patentes 
Naufragando com mau tempo 
Quem navegava na tua mente

Outra voz

Ah! Se a vida boa fosse boa mesmo 
Não seria sinônimo de prisão 
Tão desgarrada da paz, a esmo
Não me agrediria o coração 
Nem a chamaríamos assim 
Por gente viver pior 
A dó não nos confortaria 
Alegria sim e só

Incondicional

Ele- Como um velho cansado ando devagar 
Mas acelero meu passo pra te acompanhar 
E se corro e te abraço , falta-me ar 
Então digo em teus braços: “Tu és meu par”

Ela- Como algoz na floresta venho fatal 
Mas te beijo a testa em tom cordial 
E se deito e me empresto pra ser um portal 
Então grito em festa: “O amor é incondicional!”

Se os cães latem

Se nos vizinhos os cães latem
Querendo ser nossa consciência
Esquecem das suas crenças
Julgando nossa aparência

Se na tv os cães latem
Querendo ser nossa inteligência
Esquecem dos nossos neurônios
Julgando ter onipotência

Se no Congresso os cães latem
Querendo nossa paciência
Esquecem de seus deveres
Aumentando sua opulência

Se em versos os cães latem
Querendo mais insolência
Esquecem do esquecimento
Da democracia a ausência

Se no povo os cães calam
Querendo apenas clemência
Esquecem do seu poder
Morrendo sem resistência

Brasileira terra minha

Brasileira terra minha tão cheia de fantasias
faz-se templo de mentiras em nua urgia
Tranquilo quando vota fica escancarado
na bonança do Zé Qualquer, do ninguém
que opaco é o conhecimento dos sei lá quem
O eleitorado desatento se atinge sem
dados questionamentos que d’alma vem
e em prados é gado inconsciente e zen
Alienado, em mitos, diz sempre amém
Animado ao engolir o que não convém
Circundado por poças e desdém
Endividado é feliz sem nenhum vintém

Apostas e desastres

Olhos de caça-niqueis na face
Vêem mais do que posso ganhar
Minhas apostas clamam pelo desastre
E são atraentes como um romance ímpar
Olhos embaralhados se confundem
Me iludem no desejo de enxergar
A dama de ouro na mesa
Em mais um jogo de azar

Olhos de criança esperançosa
Anseiam pelo ganho imediato
Detestam a espera e a tristeza
Avareza de um vício barato

Olhos galopantes sobre cavalos
Sofrem quedas desconcertantes
Estrábicos, pobres vassalos
Sacrificam meu ser repugnante

Olhos crédulos no grande lucro
Tementes aos Deuses e às roletas
Num triz cavam o próprio sepulcro
Entregam-me às dividas e aos capetas

Mente do amante

No fundos das alegrias resplandece a ternura
Em águas alvas do lago das minhas juras
Transparece a todo ensejo o que me cura:
As lembranças num bordejo de aventuras

A cabo das agonias se estabelece a tua doçura
Apazigua os sentimentos que com bravura
Devoravam o bom senso numa conjuntura
Dum estado quase intransponível de loucura

No cume das fantasias padece a tua censura
Só restando o desejo imortal na sala escura
Que abriga um casal em plena descompostura

Porque mereces o amor sem brandura
Que em sua excitação a certa altura
Incendeia a mente amante da cultura

No véu da escuridão

Ao se por com rastro de luz
O Sol num fio de esperança
Despede-se e a noite seduz
Para noite entrar na dança

Como um negro bordado brilhante
O céu acolhe as estrelas
Ao olhar preciosas, diamantes
Estáticas centelhas

A imagem que surge é singela
Tão simples como as palavras
Que traduzem minhas estradas
A saudade que sinto dela

Ao me deparar com seu retrato
Pintado no véu da escuridão
Encarei o frio silêncio
E o silêncio do frio de meu coração

O ar e a gente

Abraçando as paredes cálidas sem arte
O vento invade os lares dessa gente
Passa por casas boas e pobres
Sopra dentre o subúrbio inocente

Deslizando por ruas sinistras
A brisa esbarra em mentes vazias
Paira nela uma ave
Voa urubu! Que alegria!

Caindo na imensa periferia
O ar penetra tranquilo
Apaga a chama do questionamento
Aceita-se o modo em que se é vivido
Uivando nas curvas dos morros
A aragem canta como samba
Lamenta o frio da noite
Chora a miséria que é bamba

Escrevendo em folha avulsa
O pseudopoeta não escapa
Compõe esta sociedade
Que bebe, não digladia e se mata

Cárcere Privado

Poderia ser diferente
Não precisar de você
Ser mais concupiscente
Não só te querer

Mas por algum motivo fico preso
Com o mais largo sorriso no rosto
De iniciativa própria me perco
No sabor de seu pescoço

Até aí tudo lindo, maravilhoso
Nenhum problema em ser irresistível
Porém demasiado penoso
É você ser irreversível

Nó indesatável de Amor
Duro amor que me acaba
Sem me deixar respirar
Sufoca e não mata

Traz agonia nos sonhos
Vêm desejos impuros
Vejo línguas e bocas
Mas logo sobem muros

Muralhas ocasionais
De distância ou tempo
Separam casais
Deixam poetas ao relento

Com impossíveis devaneios
De quem sonha com tudo
Contudo não tem
O poder no seu mundo

Nuns dias é triste
Noutros desesperador
Pois coração não livre
Sofre sem calor

Coração amarrado por motivo obscuro
Desorientado sobre qualquer futuro
Se deixa levar por sua lábia
Lábia do teu louco murmúrio

Irrefutável doçura do beijo
Convence qualquer coração
Teu melhor advogado
É um corpo violão

Ratifica a prisão
Mantêm-me enjaulado
À sombra do teu ventre
Meu cárcere privado

Aos Palestinos

Nos campos de refugiados
Esvai-se a dignidade
De um povo sem estado

Sou mais um palestino
Aqui desolado
E o meu destino
É viver acuado

Por aqueles que sofreram
Noutros campos, de concentração
E hoje apertam a ferida
Aumentam o ódio dessa nação

Perverso ódio imortal
Nesses dias mais de mil
Durante nossa história
Muita gente partiu

Bombas de lá pra cá
Homens, mulheres, crianças
Idosos arruinados
Vidas idas por vingança

Minha enorme agonia
Desperta militantes
Toca distantes corações
Comove sábios e ignorantes

Sangue é Sangue
Não importa fronteira
Muito menos religião
Onde a paz reina
Há compaixão